Friday, October 14, 2011


Espera


(...)

       O general Freirion e o general Eble, convencidos da grande vantagem das posição dos aliados, também aconselharam a Massena que, em vez de obrigar Wellington a abandonar-lhe a sua formidável posição por meio de uma batalha atacando o boi pelos paus, tratasse de tornear a montanha. Massena, obstinado no seu propósito, contentou-se em responder: Vós que sois do exército do Reno, vós outros que gostais de manobrar, é a primeira vez que Wellington parece disposto a dar batalha; quero portanto aproveitar-me da ocasião... E tentava animar as tropas, dizendo: “Meus amigos, esta montanha é a chave de Lisboa, é preciso ganhá-la com a ponta das baionetas; esta vitória ainda, e repousaremos depois!”

       No dia 26 ficou reunido na raiz da serra do Buçaco todo o exército francês; e no mesmo dia também todas as tropas aliadas se postaram na montanha.

       Dia 26: Logo que se levantou, o general mandou sair para fora da mata todas as suas bagagens. Isto causou no convento um grande susto, tanto que alguns se aprontaram para fugir. Pelo meio-dia tornaram a voltar para o convento, e então é que mandou fazer o jantar. Todos ficaram algum tanto mais consolados.

       Segundo Wellington, a força do exército francês era de 72.000 homens para 49.175 do exército aliado, sendo 24.000 ingleses e 25.175 portugueses. Quanto aos números exactos, as opiniões variam. Mas que nos interessam os números exactos? E no entanto se aqui os pus foi porque achei importante. Qual a importância, o peso da realidade, dos factos reais, na ficção? E o que estou a escrever, será só ficção?

Dia 27 - o dia da batalha. Hoje levantou-se cedo o general e mandou logo sair as suas bagagens para fora da mata. Das 4 para as 5 da manhã, valendo-se os franceses de uma espessa névoa que de noite se tinha levantado por todo o vale que mediana entre um e outro exército, avançaram com grande ímpeto sobre a nossa tropa, principalmente nas duas estradas que vêm de Mortágua para Coimbra. A névoa permitia aos franceses avançar, conquistar terreno aos aliados, embora muito a custo, pois estavam numa posição de desvantagem quanto à colocação no terreno. Os batalhões portugueses e as tropas inglesas que disputavam o terreno passo a passo com os inimigos foram obrigados a retirar-se para o alto da montanha e reunir-se à linha de batalha dos aliados.

Aí os batalhões aliados se fortificaram e defenderam heroicamente por mais de três quartos de hora contra toda a força inimiga, que sofreu uma perda considerável até que, vencidos pelo número superior, largaram esta posição e continuaram (disputando o terreno) a retirar-se até que se reuniram à sua linha. Esta, com um sangue-frio e firmeza digna de admiração, esperou o inimigo até à distância de cinquenta passos, para começar um fogo de filas tão bem sustentado que, junto com a metralha da sua artilharia, num momento as duas colunas francesas foram desordenadas e postas em completa derrota, e sem perder um momento fizeram meia volta, e desceram a montanha mais depressa do que a tinham subido, abandonando os seus feridos. Ao segundo ataque, os franceses acharam tal resistência, que deixaram só ali 4.500 soldados mortos e 3.000 feridos, cedendo ao valor das tropas aliadas, que com uma pequena perda inutilizaram a violência do ataque dos franceses.
                                                                                  
       Massena, vendo que fora a sua suposta queda para profeta que lhe preparara a queda, convoca o seu estado-maior e decide finalmente tornear o obstáculo.

       Wellington, por seu lado, percebendo o movimento do exército francês, ordena logo uma bem ordenada retirada. Há quem diga que ele não soube tirar todas as vantagens da vitória e, por falta de confiança nas tropas portuguesas, não aniquilou de vez o inimigo. O certo é que se dirigiu para as formidáveis linhas de Torres Vedras, barreira invencível diante da qual o inimigo se quedou estupefacto, vendo impotentes todos os seus esforços.

       Mais uma vez afirmo a necessidade de montagem. Havia vozes que procurei, vozes desconhecidas, escondidas, murmúrios semi-silenciosos em jeito vocativo. Tive de os escrever aqui. Ia para pedir desculpa, mas eles estão a acenar-me que não peça nada, que eles é que não me perdoavam não ter dado volume às suas vozes por descobrir.
 
    
(a continuar)


Modo Vocativo (1979)