Friday, December 31, 2010

Votos de Ano Novo
Alguém que, como eu, vive com a música, só com música consegue exprimir certas coisas sentidas, e assim aqui fica este tema para desejar a todos, amigos, leitores e seguidores destes blogues que desde Abril tenho vindo a construir convosco, um muito, muito bom Ano Novo de 2011! Todos e cada um de vós são o sentido daquilo que escrevo e vou deixando registado, sempre com grande prazer e alegria, como o melhor dos meus dias... o melhor para todos vós, deseja do coração a vossa
Ana Constança

Monday, December 6, 2010


Berlin



Maria, jetzt bist Du in Berlin, DDR. Du sitzt jetzt hinter dem eisernen Vorhang. Wie das alles passiert ist, weiß ich kaum. Nun sitzt Du da, aber als Du noch in Portugal warst, schien mir alles so verträumt.




Berlin, Dec. 5th, 1981
 
snow came at last dancing with the west wind a wild dance against my window. These days I have to stay at home and have no permission to speak (nor even whisper) or go out. I really can´t speak and the worst thing is that I can´t sing. I can only write. It seems to me that grey Berlin will soon be white with snow falling as on the first pages of Through the Looking-Glass. So I decided I would write you a letter.
 
I have been thinking how much my life has depended on letters in these last years, how many have probably been open by mistake, enfin combien de lettres portugaises j´ai adressé à l´étranger... It also seems a paradox that I should be needing communication so badly when I can express myself and communicate with people, sometimes even in a very peculiar and strange way - as if I were on the other side of the glass. I have been considering the strange circumstances that brought me here and make me live my solitude so deeply that sometimes I feel I have more in common with the wind and snow or with the sun and the stars than with my own fellowmen, although I do like people and enjoy their company. Sometimes I have the feeling I went so far and so fast towards the future, that noone can reach me where I am and that I write for people who "are not there yet" ("noch nicht da sind").
 
(a continuar)
 
In: Linha de Fuga - Flightline - Fluchtlinie, 1996
 
Fotografia de Luis Mariano Gonzáles, Noa al otro lado

Wednesday, November 3, 2010


Receita para o sonho


Diz-me o que me acontece.

Sonho lucidamente
com mil realidades
com os pés na terra.
Parto para mil viagens,
universos e galáxias,
busco, procuro, exploro,
levanto voo, penso, sinto,
estou a aprender a sonhar
com os pés na terra.

Leve borboleta esvoaço
em raízes mil e elásticas.

Que maravilha!


Sistro (1979)


Foto de Luis Mariano Gonzáles, "Con los pies en el cielo"
www.flickr.com/unaciertamirada

Luis Mariano Gonzáles, "La vida después del sueño", I e II:


 


 
 



Friday, October 1, 2010


Uma audição



Fazendo vibrar o ar
no quadro despojado
da sala de música
na tarde fria de Outono

(apesar do exercício
quotidiano de silêncio)

a voz eleva-se
acompanhando o piano
e paira em alegria nítida e vertical


Imagem de Henri Matisse, Ice Skater Gliding Start

Sunday, September 5, 2010


Anjo-da-Guarda
Anjo-da-Guarda, porque é que tu só me falas tão raramente?
Tenho estado sempre ao teu lado.
Se ao menos soubesses da maravilha que se torna a minha vida quando oiço a tua voz!
Talvez tu aprendas a ouvir também o meu silêncio. Não te esqueças: "Cuida do sentido, e os sons cuidarão de si próprios."
O que me dizes soa mesmo a Lewis Carroll!
Certíssimo! Ele é um dos teus anjos-da-guarda.
Um dos meus anjos-da-guarda? Pensei que tu fosses o único!
E sou único quanto baste! Mas, por razões práticas, terás a benção de encontrar sentido em todo o lado - na condição de escutares o que as pessoas dizem à tua volta - e seleccionares.
Não te vás embora! Irás voltar a falar-me? Tenho tanto medo de te perder...
Não tenhas medo - não me podes perder. Pela mesma razão que não podes perder-te a ti própria. A única coisa que terás de fazer é - escolher a vida.
Imagem: Paul Klee, Engel, noch tastend (Anjo, ainda a tactear), 1939

Monday, August 2, 2010

Tommy Dorsey : OPUS ONE




Gracejos de uma noite de Verão




(...)
A realidade fica sempre aquém e além da ficção - quem me mandou imaginar antes de realmente cá vir? O que aconteceu de facto foi: neste cenário feérico estou, sem querer, no centro das atenções, sozinha no meio de pares de várias idades, isto não é sítio para onde se venha sem par, e vejo-me obrigada a desempenhar um papel (mas não desempenhamos todos afinal?), mesmo sem saber muito bem qual. Não percebem o que aqui faço sem companhia, senhora-criança, sem aliança, demasiado nova, parece-lhes, para tudo isto, uma espécie de irrealidade, um enigma para eles. Eles não sabem, nem podem mesmo saber, que vim para aqui, para a terra natal do meu pai, escrever sobre aquela que considero a minha terra, onde passei parte da infância e adolescência, fazendo ao mesmo tempo uma muito séria experiência de escrita e de vida. Nestes dias de fins de Setembro, dias que antecedem a festa da batalha do Buçaco, estou muito ocupada, porque no dia 27 de Setembro, o dia da batalha, o meu texto tem de estar pronto, foi este o plano que fiz, esta semana aqui no Palace é para isso e só para isso. De manhã, depois do pequeno-almoço, vou nadar e apanhar sol para a piscina do Luso, à tarde, depois do almoço, é para trabalhar em ritmo acelerado até ao jantar, e depois de jantar descanso, vejo um filme ou leio ou passeio aqui nos jardins.
Na mesa ao lado da minha oiço falar inglês, embora o acento predominante na sala seja o americano. Um jovem par de trinta e poucos anos resolve deitar-se a adivinhar a minha nacionalidade. Talvez pelo meu vestido branco pérola, com bastante roda, ela, que fala mais, decifra logo o enigma: espanhola. Mas ele não está convencido. Numa olhadela furtiva ela descobre a minha pulseira de Toledo e está triunfante, fala mais alto, estão mesmo ao meu lado, eu continuo a fazer de conta que não percebo nada.
Entretanto desenrola-se em prata e cristal impecavelmente o serviço de mesa, os empregados não parecem meros autómatos e tudo tem, apesar de tudo, a sua vida própria, quer isto dizer que Marienbad é uma estilização, embora muito útil, mas que fica, como disse acima, aquém e além da realidade. O mais engraçado de tudo é um pudim-sorvete gigante que anda a girar de mesa em mesa levado pelas mãos dos empregados de mesa em bandejas de prata e de repente, de ver tantos pudins iguaizinhos, só se pode imaginar que subitamente tudo gira às avessas em Marienbad e eles atiram com os pudins-sorvete à cara dos hóspedes e riem-se deles, comigo a fazer-lhes companhia, é claro, neste momento estou já a rir-me entre pedaços de pudim-sorvete do lado deles. A vizinha da mesa ao lado tem a cara coberta de sorvete e está fria, fria, porque eu dei-lhe sem querer uma pista falsa: quando me trouxeram a lista - estava eu a pensar no plano de escrita para a tarde - escolhi absolutamente às cegas, de propósito. Calhou-lhe na roleta uma falsa sorte grande, quando o empregado me traz uma tortilha, é o auge, grita vitoriosa ao companheiro: Vês como tinha razão, é mesmo espanhola! (Não será provavelmente o melhor raciocínio, uma espanhola não ia pedir uma tortilha num Palace internacional de cinco estrelas no estrangeiro). Ele está envergonhado, eu continuo a manter a serenidade, apesar de uma imensa vontade de rir. Os restantes fragmentos de conversa são, quase invariavelmente, comentários sobre a comida, tão requintada que não me surpreende que se torne o tema predominante de conversa na sala de jantar.
Logo que posso, passo à sala de televisão para ver as notícias. Aí, alguém me oferece um cigarro, que recuso (não fumo, na verdade, apesar de várias tentativas). Na televisão mostram um filme sobre Disraeli, oferecem-me um brande, que também não aceito, e declino ainda um convite para sair. Depois, mais alguém entra na sala - ou teria lá estado sempre, ao fundo, sem eu reparar - e fica até ao fim do filme, na sala já só estamos os dois, mas não trocamos palavra. Ele não diz nada, só está. E eu estou em fase de esfinge. Nada posso dizer sobre o meu plano de escrita experimental, que é realmente uma experiência dupla, de escrita e de vida. Certas coisas não se podem explicar, apenas compreender em simpatia, ou não compreender de todo - e ficar para sempre de fora da experiência.
Agora tu decides onde está a ficção e onde a realidade, e como é que as coisas se vão desenrolar amanhã.
(...)
Modo Vocativo (1979)
Créditos da imagem: http://www.hoteis.pt/

Friday, July 2, 2010




Fantasia





Reclinada na cama penso

que haverá dias e noites e momentos

em que a tua mão pousada

leve sobre a minha nuca

será o poema que não escrevo

para continuar

Haverá noites e momentos

em que só o aproximar das tuas mãos

fará o tempo parar

Sistro, 1979

Imagem: Henri Matisse, Temas e Variações

Chet Baker ao vivo na Bélgica em 1964, Time After Time


Friday, June 11, 2010








Earl Grey (English version)





Earl Grey, almost an autobiography of adolescence


Earl Grey, Earl Grey is my morning tea (ever since I began to have grown-up habits and started to drink tea for breakfast), that noble Englishman has capturated my whole morning being - not at all, not at all, it was Catherine of Bragança who brought the tea to the English royal court -
 
Earl Grey is my morning feast, the sharp flavour of bergamotte helps me enter the day, these transitions are always difficult for me - I know that my flat mate in the student halls doesn't steal it from me because she doesn't like the scent of Earl Grey - the name in English is familiar to me, maybe because of my grandfather's English ancestors on my mother's side who came to Oporto from Scotland and were named Messeder - oh no, Annie, they probably spoke Gaelic - oh no, oh no, just 2% of Scotland's population, roughly 5 million inhabitants, speak Scottish Gaelic nowadays - but the story of the Scottish ancestor was already in the XIX century -
 
Earl Grey, I would so much like to sing, today is a new day and it's a magnificent sunny day, just like the sun rise and shine - but sing for what purpose, Annie, the age is not lyrical at all - but Earl Grey, Earl Grey, I will sing your name that I have forgotten, whatever it may be, because even that doesn't matter anymore, through the city's streets - and without blushing!

Chansonettes (2010)
Créditos da imagem: adiaspora.com

Sunday, May 30, 2010

Ouvindo o 1º Prelúdio do Cravo Bem-Temperado de Bach - à minha mãe, Maria Helena (aqui interpretado por Alexei Sultanov)







Ouvindo o 1º Prelúdio do Cravo Bem-Temperado de Bach
- à minha mãe, Maria Helena

Dos meus dedos goteja poesia
sinto-a nas veias a latejar
pinga no papel em sangue vermelho
tira sons do azul da minha dor
do branco impuro faz mil farrapos
de improviso cria um arco-íris
mistura as cores, é caleidoscópio,
rapsódia fantástica, é silêncio,
é sinfonia, é som, sem cessar.

Dos meus dedos goteja poesia.
Para ti, queria eu só que fosse
água viva, clara, cristalina,
a correr no papel como da fonte
que mata aquela sede que sentimos
do que é puro, e forte, e necessário.

Tu és aquilo sem o qual
a vida não tem sentido.
És-me necessário, imprescindível,
és a própria escrita sem a qual
a minha não faz sentido.

Sistro, 1979

Imagem: Capa do manuscrito do Cravo Bem-Temperado de J. S. Bach

Suão (e 'Danza ritual del fuego', de Falla, na interpretação da Orquestra Sinfónica de Chicago, dirigida por Daniel Barenboim)




Suão


O Suão é quente e seco no Verão, de Inverno é quente e frio.


O Suão vem dos desertos do Norte de África ao encontro de núcleos de menores pressões criadas por situações de aquecimento continental.


Na Beira Alta existem corredores de vento que, juntamente com o efeito exercido por obstáculos, as serras, criam acelerações muito grandes de correntes de ar.


No lado poente do Buçaco o Suão sente-se de modo particularmente agudo porque o obstáculo encontrado - a própria serra - faz com que o vento se movimente com muito mais força.


O Suão começa pela meia-noite e sopra com mais força até ao meio-dia.


O Suão afecta as pessoas física e psiquicamente. Actua como um excitante nervoso, mas ao mesmo tempo deixa-as num estado de lassidão.


Nas noites de Suão a atmosfera é tão seca que proporciona uma visibilidade excepcional que faz com que as coisas mais longínquas pareçam muito próximas, como se fossem vistas por um óculo mágico.


O Suão espalha no ar um ambiente dramático, de iminência de qualquer coisa de excepcional que está para acontecer.



Modo Vocativo (1979)


Saturday, May 22, 2010




Escrita Secreta







Se eu pudesse - conservando todo o meu sangue-frio e mantendo todo o calor do meu sangue - escrever de modo branco na página por escrever, branco sobre branco, de modo invisível, para que todas as cores unidas me ocultassem dos meus perseguidores e me revelassem na transparência que tenho apenas para quem, sabendo-me ler, merecesse conhecer-me de cor...
(2003)

Assim regressaria a página à sua brancura inicial, pura ou impura conforme a perspectiva do criador, e àquela categoria infinita e infinitamente misericordiosa, segundo criatura ou criador ainda, a da possibilidade.


Chansonettes (2010)

Imagem: Paul Klee, Geheimschrift, Escrita Secreta

Créditos da imagem: allposters.de

Saturday, May 8, 2010


Breathless Blues

Never Will I Forget the Blues

I missed you
I had been missing you

I've missed you

I have been missing you

I miss you

I'm missing you


Should I miss you?

Should I be missing you?

Shall I miss you?

Shall I be missing you?


Have I forgotten any tense?

I'll remember that missing one

If you don't give me the chance


To miss you more


Images in Blues (1979)

Imagens: Sidney Bechet e Mezz Mezzrow


Créditos das imagens: jazzlives.wordpress.com





Tuesday, May 4, 2010



Riding My Bicycle


Somewhere from where you are
Over all possible rainbows
You'll see me riding my bicycle


Over all possible colours
Skies, absences or silences
You'll see me riding my bicycle


As invisible as
and frail
and weightless as
a mosquito


in circles and evasions
envelopping you
or no


You'll see me riding my bicycle
No tricks, no filthy magic
just a girl riding her bicycle


As quiet as
and grave
and definite as
a Bergman silhouette


You'll see me riding my bicycle
No Dance of Death
Just a girl riding her bicycle


In a rainbow of joy
and life
and colour
over all possible rainbows

just a girl riding a bicycle



Images in Blues (1979)


Imagem: Norman Rockwell, Wet Paint (Pintado de fresco)


Créditos da imagem: allposters.de


Sunday, May 2, 2010




Prince et Princesse de Bohème au XXème siècle


Le soleil un jour va
te chercher et te dire
Moi je t'aime bien, viens
te coucher avec moi
de l'autre côté de la Terre.
Toi tu ne sais plus trop
quoi dire, tu es fasciné,
la lumière te brûle un peu
les yeux, tu lui dis
Oui, je veux bien, allons-y.
Alors on y va et tu
te sens chez toi! Tu lui dis ici
je suis bien mieux, tu
sais, que chez moi! C' est
peut-être, te répond-il,
à cause du coucher du soleil?
On ne sait plus toi et moi
distinguer Petit Prince et renard,
fleur et serpent! Toi...
mais toi, c' est aussi moi!
On se reconnaît à cause
de la lumière, de l' éclat
des yeux - le soleil de
tes yeux soudain reposant
sur mes cheveux, mes doigts
caressant le soleil dans les tiens.

Toi et moi, c' est toujours ça -
notre enfance à jamais retrouvée,
nos éclats de rire occupant
la nuit merveilleuse en rêvant
le plus joli rêve du monde entier:

au XXème siècle en Bohème à Liblice
Prince et Princesse en réalité.


Sistro (1979)

Foto: Liblice, República Checa


O que os livros dizem à Annie

Sometimes I feel like a motherless child -

Também nós sentimos a tua falta, Annie - quando corres a tua vista pelas
nossas páginas - como quando afagas o teu cavalo depois de correrem campo fora - sabemos que viajamos pela tua cabeça e depois percorremos
o teu sistema sanguíneo e nos entranhamos em ti até realmente fazermos
parte do teu corpo, espírito, coração e alma - e - alguns milhares de anos depois - mas quanto ansiámos e nos impacientámos! - reaparecemos subitamente transformados, metamorfoseados numa outra vida no entretecer e pulsar da tua escrita.

(2010)

O que acontece dentro de uma pessoa que está a ler - penso que este tem sido o meu verdadeiro mundo real até agora.

What happens inside a person reading - I think this has been my real real world until now.

(2006)

Chansonettes (2010)

Imagem: Franz Eybl, Lesendes Mädchen, Menina a Ler (1850)




Earl Grey, quase uma autobiografia de adolescência





"Tout bonheur est une innocence"
Marguerite Yourcenar



Earl Grey, Earl Grey é o meu chá da manhã (agora que começo a ter hábitos de gente crescida e já me autorizam a beber chá ao pequeno-almoço), esse nobre inglês cativou todo o meu ser matutino - mas não, mas não, foi Catarina de Bragança quem trouxe o chá para a corte inglesa -


Earl Grey é a minha festa matinal, o sabor amargo da bergamota ajuda-me a entrar no dia, estas transições são-me sempre difíceis - sei que a colega do quarto ao lado no lar de estudantes não mo surripia porque não gosta do aroma do Earl Grey - o nome em inglês é-me familiar, talvez por causa dos antepassados escoceses do meu avô materno, que vieram da Escócia para o Porto e se chamavam Messeder - mas não, Annie, esses provavelmente falavam gaélico - mas não, mas não, 2% da população da Escócia, ca. de 5 milhões de habitantes é que falam gaélico escocês hoje em dia - mas a história do antepassado escocês já foi no séc. XIX -

Earl Grey, eu gostava tanto de cantar, hoje é um novo dia e está um magnífico dia de sol, tal como ele levanta-te e brilha, rise and shine - mas cantar para quê, Annie, os tempos não estão para lirismos - mas Earl Grey, Earl Grey, hei-de hoje cantar o teu nome que já esqueci, e seja ele qual for, pois até já isso deixou de interessar, pelas ruas da cidade, e sem corar!
 
 

Chansonettes (2010)
Créditos da imagem: adiaspora.com

Monday, April 26, 2010

Suão

O Suão é quente e seco no Verão, de Inverno é seco e frio.

O Suão vem dos desertos do Norte de África ao encontro de núcleos de menores pressões criadas por situações de aquecimento continental.

Na Beira Alta existem corredores de vento que, juntamente com o efeito exercido por obstáculos, as serras, criam acelerações muito grandes de correntes de ar.

No lado poente do Buçaco o Suão sente-se de modo particularmente agudo porque o obstáculo encontrado – a própria serra – faz com que o vento se movimente com muito mais força.

O Suão começa pela meia-noite e sopra com mais força até ao meio-dia.

O Suão afecta as pessoas fisica e psiquicamente. Actua como um excitante nervoso, mas ao mesmo tempo deixa-as num estado de lassidão.

Nas noites de Suão a atmosfera é tão seca que proporciona uma visibilidade excepcional que faz com que as coisas mais longínquas pareçam muito próximas, como se fossem vistas por um óculo mágico.

O Suão espalha no ar um ambiente dramático, de iminência de qualquer coisa de excepcional que está para acontecer.


Modo Vocativo (1979)

Sunday, April 18, 2010


Rua fora

Roer uma maçã
pela rua fora
uma dentada na vida. Sorvo o sumo
mastigo a pleno peito
a plenitude
um pedacinho de angústia
dança-me entre os dentes.
O vento remexe-me
os cabelos, a face, a alma,
roo a maçã
em plenitude
rua fora.


Sistro (1979)
Winslow Homer, Fresh Air With Sheep, 1878
Créditos da imagem: allposters.de