Monday, December 12, 2011


Espera


(...)

       O Lord quando estava para partir mandou dizer ao prelado que queria pagar o que tinha gasto. Ele respondeu que não queria mais do que a paz do reino.


       Este convento perdeu muito com a tropa. Desapareceu quase tudo o que se havia dado para as camas e mesas dos oficiais. Nada do que era bom ficou. Além do estrago que fizeram os franceses, perdemos quase todo o milho que ainda estava verde; grande quantidade de cedros foram quebrados; queimaram quanta lenha quiseram por toda esta mata.

       O Tratado de 1810 abre à Inglaterra os portos brasileiros; para Lord Wellington os melhores artistas e artífices portugueses desenham e executam uma preciosíssima baixela de prata. Cinco anos depois o Lord ganha contra Napoleão a decisiva batalha de Waterloo. Os nossos pequenos heróis anónimos continuam a passar fome.

       A testemunha ocular é humanista, comovida, patética. Não somos só objecto da História, mas também o somos.

       Pelas 8 horas da manhã saí do convento a ver o fogo: indo entrando pela porta que está ao pé do tanque, encontrei ali um paisano a chorar; perguntei-lhe que tinha? Respondeu-me, quase sem articular palavra: pois não vê aquilo? O quê? Disse eu. Acrescentou ele: aqueles franceses feridos que ali estão. Reparei logo para baixo, vi-os de tão miserável forma, que sem querer me principiaram logo a correr as lágrimas. Uns 4 ou 5 estavam cortados pela cinta e tão esgotados de sangue que tremiam de frio. Mas um deles, que causava mais ternura, tinha o rosto atravessado de um a outro lado por uma bala que lhe passou por entre os queixos: o sangue saía-lhe pela boca, e tinha já uma grande porção dele coalhado pendente dos beiços... Este nem sequer uma palavra podia dar.

       E se pudesse, o que saberia dizer das razões que o levaram a travar aquela batalha, a participar naquela luta? Somos objecto uns dos outros, às vezes...

       Em cima do obelisco, pirâmide quadrangular feita de uma só pedra de seis metros de altura, brilha uma estrela de cristal, de oito raios facetados.

       O Homem há-de ser sujeito da História. E para mim, a estrela, um desejo, um tempo de espera.

Modo Vocativo  (1979)